sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Fernando Belo - Grécia-Europa face à China: diferenças de escrita e de pensamento




Grécia-Europa face à China: diferenças de escrita e de pensamento

O inédito império chinês
Comparar duas escritas, alfabética e de caracteres-palavras
O porquê social das línguas
A convencionalidade das escritas
O monossilabismo das línguas e escrita chinesas
As invenções das escritas
Entre matemática e língua
A diferença de pensamentos: definição e wen
Conclusão
Bibliografia


“Este texto[1] esclarece-nos de forma global sobre a lógica do devir e seu fundamento; por aí, ele forneceu as suas concepções de base à representação chinesa da realidade. Páginas capitais, portanto, em que o esforço de síntese, o espírito de sistema são conduzidos ao seu acabamento, em que o pensamento que rege o livro chegou ao seu pleno desabrochar, e cujas formulações, constantemente retomadas, serão julgadas definitivas; a seguir, e durante mais de dois milénios, o pensamento letrado poderá propor inumeráveis variações a partir destes temas mas não dirá nada de radicalmente novo” (F. Jullien, 1993, 187)
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1. Comecemos por situar historicamente a questão. Das quatro grandes histórias científicas – a cosmológica, a da evolução biológica, a das sociedades humanas e a das escritas –, a segunda culminou numa mesma espécie biológica humana em condições ecológicas de variantes geográficas e climatéricas que resultaram em diferentes maneiras de resolverem os seus problemas de habitação – alimentarem-se, defenderem-se, organizarem a sua reprodução. Durante mais de 20 séculos de história, essas sociedades têm uma economia essencialmente agrícola com algumas vilas ou cidades com produção artesanal, uma classe guerreira dominante e um rei e uma casta de eruditos de escrita com funções religiosas e/ou de administração (jurídica).
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O inédito império chinês
2. Dois impérios se criaram então com destinos bem diferentes. Trinta anos antes do início da nossa era, o de Roma dominou toda a zona mediterrânica, desde o que veio a ser Portugal até ao Irão (ou Pérsia), assim como o da China, uns dois séculos antes, unificou os vários reinos que então se combatiam no Meio da Ásia. Mas enquanto o primeiro soçobrou na sua parte ocidental, propriamente romana, no século V e dez séculos mais tarde na sua parte oriental sob um novo império turco islâmico[2], o império chinês, apesar de alguns curtos períodos de divisão política entre Norte e Sul e de invasões estrangeiras triunfantes mas que se tornaram chinesas ao tomarem o poder imperial, esse império chegou ao alvor do século XX (poder-se-ia dizer que ainda hoje subsiste no tipo de estrutura burocrática da sua administração): esta duração de um pouco mais de dois milénios é sem paralelo na história da habitação humana.
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3. Ela foi possível graças a uma estrutura administrativa centralizada em torno do imperador e da sua corte e cobrindo a extensão de todo o território, dotada duma capacidade de articulação às diversas regiões; esta estrutura era formada por funcionários imperiais letrados, os chamados mandarins, recrutados mediante concursos e não por herança paterna, mudando de lugar todos os três anos. Esses concursos ou exames eram feitos sobre uma tradição textual de sabedoria ancestral a que se acedia por longa instrução junto dum mestre (por ‘vocação’, como na escola e no clero cristão). É certo que a Grécia, apesar da sua história acidentada sob dominação romana e mais tarde turca, conservou até hoje a sua língua e a sua escrita alfabética e esteve na origem da cristandade ortodoxa eslava, mas pouco se compara aos textos sapienciais chineses que, incessantemente comentados sem rupturas, duraram até há um século numa mesma escrita não alfabética, com a particularidade surpreendente de ser compreendida por leitores de línguas diferentes, chinesas, vietnamitas, japonesas, coreanas, estrangeiras entre si, fenómeno igualmente sem paralelo em línguas humanas. É este fenómeno de inscrições historicamente inédito [sem lugar adequado no quadro sinóptico das inscrições ocidentais estudado na 1ª parte deste livro] que será objecto da indagação desta 2ª parte.
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Comparar duas escritas, alfabética e de caracteres-palavras
4. Ninguém conseguirá imaginar que o império romano do Ocidente tivesse durado até hoje[3], mas não deixa de ser curioso que Constantino e Teodósio, na época de crise que foi todo o século IV, tenham procurado na novel Igreja cristã e na sua Bíblia um suplemento religioso capaz de fazer subsistir o império, que esta Igreja tenha também optado por um clero de vocação que garantiu uma ‘cristandade’ no que virá a ser a Europa[4] quando a reforma protestante cindiu essa unidade civilizacional, cisão essa que deixou emergir, com a filosofia, os laboratórios científicos, enquanto o catolicismo do sul europeu continuará teimosamente, multiplicando os dogmas em textualidade rígida que desde Constantino repelia as heresias das interpretações. Ora, na China a continuidade da busca sapiencial, compatível com diversas escolas de pensamento (sobretudo vivas nos três séculos entre Confúcio, o seu primeiro grande escritor, e o início do império), é bem o contrário desta constante de guerras doutrinais que é, não apenas a história do cristianismo, mas também a história da filosofia.
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5. Serve esta digressão para sublinhar que as histórias políticas e económicas das sociedades humanas não podem ser lidas, como comummente ainda se faz hoje[5], sem considerar o jogo nelas das estruturas de inscrição e respectivos suportes, escolas, igrejas e mandarinato chinês. A este chegamos: quais são as correlações entre estas três durações históricas inéditas, dum império, da sua estrutura administrativa e dos textos que esta lê e escreve? Como compreender a sua unidade, se alguma compreensão for possível? Como posso eu pretender tratar da questão sem saber chinês, perguntará obviamente o leitor? Não posso seguramente pretender dar-lhe uma solução, mas talvez elaborá-la dum ponto de vista fenomenológico, digamos, de maneira a que possa ser retomada por quem conheça. O trabalho em que me apoio, do filósofo francês François Jullien, com duas dezenas de livros publicados, tem a originalidade de não comparar culturas nem conteúdos de pensamento (não há ‘conceitos’ chineses que o permitam) mas sim as maneiras de pensar chinesa e greco-europeia; mas como parece não ter dado importância a este ponto de vista, o da comparação entre a escrita chinesa em caracteres e a nossa alfabética, deixa em aberto a possibilidade de esta diferença de inscrições esclarecer em certa medida a diferença entre as maneiras de pensar, de buscar a sabedoria.
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O porquê social das línguas
6. Para poder abordar a questão da diferença entre escritas, terei que colocar brevemente a razão de ser das línguas que, a par de técnicas de habitação, todas as sociedades humanas inventaram no passo de se constituírem, para perceber em seguida como algumas foram levadas a instituir técnicas de escrita. Línguas e técnicas surgiram sem dúvida a par e passo uma das outras, se for certo que a ambas todas as sociedades deram a primazia da respectiva aprendizagem pelas novas gerações, as palavras que se foram inventando devendo dizer funções sociais, por exemplo frases permitindo dizer receitas de tal ou tal técnica que se quer ensinar, tal ou tal relação social, frases porventura antes de se distinguirem nelas palavras[6]. A linguagem é inventada na necessidade da invenção da organização social da tribo, para haver entendimento entre os seus membros no que lembrar e no como fazer, no contar o que sucedeu e aprender a prevenir, nos mitos de antepassados, e por aí fora: para enfrentar o caos ecológico da selva, organizar o social e a comunicação, estruturar os comportamentos individuais. Lévi-Strauss[7], através da indagação do funcionamento lógico dos mitos ameríndios, comparando os da América do Sul primeiro, mais primitivos, e depois os do Norte, mais elaborados e por vezes explicitando as deduções anteriormente feitas, numa espécie de confirmação laboratorial da cientificidade da análise mitológica, ilustrou de maneira admirável o que ele chamou “lógica das qualidades sensíveis”, que tanto é a dos códigos desses mitos como a de usos tribais, nomeadamente culinários, com que têm a ver uma boa parte desses mitos. “Os mi­tos e os ritos oferecem como valor principal o de preser­varem até à nossa época, de forma residual, modos de obser­vação e de reflexão que foram (e permanecem sem dúvida) exactamente adaptados às descobertas dum certo tipo: as que autorizava a natureza, a partir da organização e da exploração especulativa do mundo sensível em termos de sensível”[8].
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7. Estas línguas, tão diferentes entre si que os estrangeiros não se entendem, são todas duplamente articuladas: algumas dezenas de fonemas (reproduzidos como sons) que as gargantas e bocas conseguem dizer de maneira distinta mas que não significam nada (são imotivados, como as nossas letras) permitem formar milhares de palavras que os cérebros humanos facilmente memorizam e com as quais se fazem frases indefinidamente diferentes umas das outras. Duas economias de leis fisiológicas (fonação e cerebral) permitem dois excessos na ordem do pensar e do comunicar. Cada indivíduo é instituído enquanto membro da sua sociedade (tribo, aldeia) pela maneira como aprende os seus usos e respectiva língua e cultura.
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8. É assim que cada língua, com o seu efeito de denominação das coisas e gentes da respectiva sociedade, dá a esta uma estabilidade relativa face à anarquia inicial do mundo caótico e aleatório em que somos paridos: assim como o que se chama natureza está em constante mudança, também as gentes e os seus usos e os acontecimentos resultantes dos amores e das rivalidades, e por aí fora, aquilo tudo de que se fala e discute, são movidos sem cessar ao longo do tempo, com muitos erros, ilusões, ficções e mentiras, isto é, como já dizia Heraclito panta rei, tudo flui. Como as línguas orais acompanhavam esse fluxo, ele moveu, na China como na Grécia, escribas pensadores a encontrarem uma forma de se poderem defender destas ilusões ligadas às disputas de interesses, encontrarem uma forma de estabilidade permitindo pensar fora ou acima do fluxo, que as línguas orais acompanham.
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A convencionalidade das escritas
9. As línguas não são convencionais, como se disse desde Aristóteles, mas imotivadas, como Saussure percebeu (falando primeiro de ‘arbitrário’), isto é, não foram ‘decididas’ numa convenção de humanos, que implicaria gente que já falasse. Sem motivo fora dela – nem na natureza nem nos usos e costumes nem no génio de algum antepassado –, é a linguagem que nos motiva a nós, nos torna falantes e pensantes, a par dos usos que vamos aprendendo: em termos filosóficos, é a linguagem com os outros usos tribais que institui o bebé como sujeito, em sua consciência falante e pensante, ao contrário do que Husserl pensou. Entre usos e linguagem é mais difícil de decidir, as crianças aprendem a andar antes de falarem mas aprender usos menos ‘instintivos’, digamos, já pede linguagem antes, embora também a observação dos outros jogue um papel importante. Já em relação às escritas, não são permitidas dúvidas: as escritas são convenções[9] estabelecidas por gente que fala, um caso típico sendo o da escrita matemática, a começar pelos algarismos e depois as convenções cartesianas da álgebra, e por aí fora. Ora foi a convenção da escrita que distinguiu a chinesa da indo-europeia. Enquanto que os chineses inscreveram um pequeno desenho para cada palavra (carácter) das suas línguas monossilábicas, desenhos que a partir dum só traço (para o número 1) os vão multiplicando e complexificando até ao ponto de obterem mais de dez mil caracteres diferentes, o alfabeto, que os Gregos receberam dos Fenícios (actual Líbano) acrescentando-lhe as vogais, inscreve um pequeno desenho para cada fonema (letra), de tal forma que bastam umas poucas dezenas de letras bastante simples (duplicadas com as maiúsculas) para se inscreverem os milhares de palavras da língua.
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10. Este pequeno ensaio tem a pretensão de encontrar nesta diferença estrutural uma parte da razão das diferenças dos pensamentos tão alheios um ao outro como são o da China e o da antiga Grécia e da Europa moderna, sujeitando-se, como é óbvio, à discussão crítica dos que sabem ler esses caracteres mas presumindo que esse conhecimento não é necessário à argumentação proposta, com alguma inspiração na gramatologia de Jacques Derrida, inclusive na sua interpretação da filosofia grega e europeia (que em F. Jullien parece ter um pendor platónico, que não deixa aliás de ser adequado ao carácter sapiencial do pensamento chinês).
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O monossilabismo das línguas e escrita chinesas
11. Sem que se possa falar de causalidade, há em todo o caso uma estreita relação entre a escrita de caracteres e a estranha qualidade das línguas chinesas[10] e de algumas suas vizinhas (vietnamita, tai, kmer) de serem estritamente monossilábicas ou, dizendo paradoxalmente de outra maneira, de não terem ‘sílabas’ no sentido ocidental, já que cada uma dessas ‘sílabas’ é uma palavra (‘significante’, segundo Aristóteles[11]). Quando se consulta um dicionário português chinês, verifica-se que à maioria das palavras portuguesas corresponde o que parece ser ‘uma’ palavra chinesa composta de vários caracteres ou sílabas (em pinyin, alfabeto chinês oficial), mas que de facto é uma sequência de palavras, cada uma delas tendo a sua entrada no dicionário chinês (se não for uma palavra arcaica fora de uso), o que parece ser acentuado nos textos chineses antigos pelo facto de não haver nenhuma diferença entre as distâncias entre caracteres numa dada frase[12]. Isto parece colocar um problema tremendo em termos de gramática chinesa e de tradução[13]: como a gramática ocidental, de raiz aristotélica, é usada pelos linguistas ocidentais na análise de línguas não ocidentais (africanas, ameríndias, asiáticas), será sempre difícil de decidir se se analisa a frase chinesa ou a sua tradução (§ 25). É como se todas as palavras inglesas fossem como ‘foot’, ‘chair’, ‘ball’, ‘arm’, ou ‘football’, ‘armchair’ (não encontrei exemplo português). Veremos mais adiante que o inglês tem alguma cumplicidade com o chinês.
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12. Consequência deste monossilabismo, há uma ausência praticamente total de morfologia. Verbal, para começar: a palavra ‘’ corresponde ao verbo português ‘amar’[14], mas não há ‘amo’, ‘amam’, ‘amava’, ‘amei’, ‘amarei’, nem sequer tem sentido dizer que é um infinitivo como o nosso ‘amar’, já que o infinitivo faz parte da nossa morfologia. Mas porquê ‘verbal’? a mesma palavra diz ‘amor’, o que chamamos ‘nome’ ou ‘substantivo’, será portanto ou nome ou verbo consoante o seu lugar sintáctico de posição, a frase chinesa dizendo sempre primeiro o nome antes do verbo. Mas como os nomes também não têm morfologia, nem número (singular ou plural) nem género[15], resulta que ‘amante’ (qíngren) e ‘amigo’ (youhao de) são palavras diferentes, sem relação com ‘amor/amar’, e se acrescentam outras palavras a ‘’ para ‘amoroso’ (aìqing de, ‘qìng’ significando ‘sentimento’ ou ‘amor’ e sozinho com ‘humano’ dá ‘namorado’ ou ‘amante’) ou ‘amador’ (aìhàozhè, as duas novas palavras sendo ‘bom’ e ‘sábio’), mas também para ‘amável’ (keaì de, ke sendo valer e de uma partícula gramatical), ‘carícia’ (àifu, fu sendo ‘mão’), ‘patriota’ (àiguó, guó sendo pais), etc. Um outro exemplo, o português ‘porteiro’ é feito de ‘port-’ e de ‘-eiro’, sendo que este sufixo não tem significado isoladamente, não é uma palavra portuguesa; o que lhe corresponde no chinês é composto de três palavras, uma que diz ‘guardar a entrada’, outra ‘porta’ e a outra ‘humano’. Serão três palavras ou uma só? pergunta o leigo. Pode ser que a sintaxe da frase permita decidir que seja uma, que designa uma pessoa concreta a que mais duas acrescentam a ‘função’; mas a intervenção da designação (duma pessoa) cria dúvidas nomenclaturistas, como diria Saussure: para estabelecer o seu célebre motivo “na língua não há senão diferenças, sem termos positivos”, ele teve que reduzir justamente esta dimensão de nomenclatura inerente às línguas. A hipótese a colocar seria então a de que a ausência de morfologia faça destas línguas monossilábicas uma espécie de nomenclaturas colocadas em frases sintacticamente muito pobres (com preposições, conjunções e advérbios e algumas partículas, como ‘de’)[16]: ora, os caracteres chineses não só se adequam muito bem a esse nomenclaturismo, como poderão inclusivamente tê-lo reforçado historicamente.
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As invenções das escritas
13. Voltemos à necessidade em que se encontraram escribas pensadores de inventarem formas escritas susceptíveis de pensar que resistissem à fluidez dos vivos e dos interesses humanos e ao arrastamento consequente das falas nas inevitáveis disputas: se as línguas, faladas com as mesmas regras por todos, permitem a organização das coisas sociais, elas não têm delas mesmas distância, transcendência dir-se-á em filosofia ocidental, capaz de arbitrar disputas, de constituir um ponto de consenso. A divergência das soluções encontradas assinala-se no facto de, ao contrário da China que enveredou logo pelos caracteres desenhados, na Grécia ter havido duas fases, uma vez que a invenção do alfabeto não conseguiu imediatamente o efeito desejado e foi preciso num segundo tempo, socrático, inventar a definição. Pela boa razão de que, ao contrário dos caracteres, lá iremos, a escrita alfabética funcionar também em dupla articulação, já que as letras correspondem aos fonemas, não têm sentido delas mesmas, são imotivadas como condição da formação económica de palavras e portanto de frases (economia de desenhos a escrever e reter facilmente na memória). E porquê este paralelo entre a dupla articulação da oralidade e a da escrita impede o efeito desejado de permitir ‘transcender’ a fluidez das coisas? Digamos que um texto escrito em língua alfabética tem a enorme vantagem de poder ser lido em voz alta, como sucedia com mitos, narrativas homéricas e outros textos poéticos face a assembleias analfabetas. É essa vantagem que é simultaneamente uma desvantagem, esses textos fluem também e levam o seu leitor com ele. A escrita chinesa “não poderia ser falada, lida em voz alta ela permanece ininteligível ao auditor se este não tem ao mesmo tempo diante dos seus olhos o texto escrito em caracteres ideográficos, ou se o texto não lhe é conhecido de antemão”[17]. Em termos da linguística saussuriana, a escrita chinesa, ignorando as letras para compor palavras, só tem uma articulação, a que há entre palavras e frases, ambas ditas igualmente wen (como aliás os textos curtos). O sinólogo Vandermeersch compara o ideograma, o wen, com o alfabeto: “enquanto que a palavra alfabeticamente escrita é percebida como um substituto (relais) do pensamento reflectido entre a palavra e o real, o wen dá o sentimento de tornar directamente e-vidente o sentido das coisas” (p. 127), afirmando no final que “a letra que transcreve o verbo leva à ideia de criação [referência à palavra criadora do mundo na primeira página da Bíblia hebraica]; pelo contrário, o wen é cortado do verbo” (p. 138), isto é, não supõe uma palavra oral que seja ‘ditada’ em escrita (o que levaria a perguntar se a pedagogia escolar ocidental do ‘ditado’ seria possível em chinês). Ora é a esta predominância filosófica da voz / logos sobre a escrita, do que vem de dentro sobre o que é inscrito e fica de fora, que Derrida chamou logocentrismo (esquecimento de que a fala, tanto voz como logos ou discurso, também veio de fora, por aprendizagem que inscreveu a língua, suas regras e cultura nas crianças, que nascem in-fantes, sem fala).
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14. Gramatura e não literatura (p. 125), escreve ainda Vandermeersch, foi construído “um sistema [“fortemente racional”] de derivação dos ideogramas uns dos outros, cada um deles sendo recomposto de [...] sub-grafias tiradas dum stock reduzido a um pequeno número de elementos” (p. 126), isto é, os novos wen são inventados acrescentando um traço a outro wen já existente, sem correlação com as palavras monossilábicas correspondentes. Donde que se tenha “produzido, ipso facto, uma completa reestruturação do léxico e da sintaxe das grafias em relação às correlações das palavras entre elas na língua natural” (ibidem). Ao contrário do que sucede nas nossas escritas alfabéticas em que rapidamente aprendemos a ler ‘mentalmente’ nas correspondentes palavras orais, incluindo as letras mudas (como sentimos instintivamente a sua falta nos textos do novo acordo ortográfico). Que possamos ler em voz alta significa justamente que a oralidade reside na escrita alfabética, faz parte aliás da essência mesma da poesia, da sua ‘música’ ainda que escrita, só saboreável nesta indistinção alfabética entre oral e escrita dum ‘mesmo’ texto em ‘matérias’ diferentes, uma sonora, outra visível. Não só pode ser lida em voz alta, como não pode deixar de ser ‘lida’ em voz ainda que silenciosa, o leitor, tal como o escritor, ‘estão’ assim no que lêem enquanto falantes, a sua voz (phonê) e o seu logos no texto, enquanto que o leitor chinês só lerá com os olhos, sem voz.
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15. Antes de retomarmos a questão da estabilidade da escrita chinesa, relacionada com esta autonomia relativa entre escrita e oral, entre wen e palavra monossilábica, demos atenção a que Derrida tenha escrito algures que a filosofia grega só foi possível devido ao alfabeto: quero crer que é esta economia de duplas articulações paralelas que justifica a asserção, que é ela que pediu a segunda etapa grega em busca de fugir da fluidez das coisas e das palavras, a invenção da definição. Esta colagem da língua alfabética à língua oral duplamente articulada (a escrita chinesa só tem uma articulação, visto que sem fonemas) teve como consequência que o problema da estabilidade continuava inteiro por resolver, continuava portanto a pedir uma solução, como se percebeu no século V da Atenas clássica, o de Sócrates (nascido em 470 a.C.), em que houve uma abundância de textos manuscritos publicados que se contradiziam frequentemente, disputando questões com importância em relação à vida da cidade, quer nos debates da politica ou dos tribunais, quer nas escolas de saber sofistas que eram oferecidas à juventude. Revelou-se pois que a escrita alfabética sofria do mesmo inconveniente que a língua oral grega diante do movimento, do fluxo incessante das coisas, entregues, como se dizia, à geração e à corrupção, ela não oferecia a estabilidade que exibia a geometria tão prezada na Academia, sofria dos mesmos males que a língua oral, a sua dupla articulação e a polissemia inerente quer à economia de palavras e à notação de deícticos e pronomes, quer às ricas morfologias verbal e nominal. Não bastava escrever para se poder ‘pensar’ fora do fluxo das coisas, esse fluxo que Heraclito terá valorizado e que defende Crátilo, seu discípulo, que tinha sido mestre de Platão. No diálogo com o seu nome, é Crátilo que objecta à Hermógenes (este do lado de Hermes, deus da eloquência) que a própria língua é incapaz de levar ao conhecimento. E se Sócrates, após uma longuíssima digressão pelas etimologias das principais palavras, anotando ilógicas e contradições entre letras e palavras, remata o diálogo aparentando não dar razão a nenhum dos contendores, Platão levou a água ao seu moinho, propondo pela primeira vez na cronologia provável dos seus escritos[18] a teoria dos Formas ideais (Eidê) celestes, fora dos nomes das coisas e que permitem conhecê-las na sua ‘essência’ eterna, intemporal (Crátilo, 438e, 439b). Ou seja, cada Eidos é algo de imutável, de indefinidamente estável que permite à alma que o contemplou conhecer as coisas que doutra maneira escapam na fluidez heraclitiana (Crátilo, 440c), estável sem intervenção das palavras orais, tal como os wen!
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16. Embora seja lição do próprio Platão[19] e de Aristóteles, não é costume relacionar esta Forma ideal eterna com a invenção da definição por Sócrates[21], em vista de levar os seus jovens interlocutores a serem capazes de aceder à definição das principais virtudes para assim as praticarem a partir da sua própria compreensão pessoal (e não apenas por aprendizagem de outrem): definida por eles a virtude tornar-se-á espontânea. Solução eminentemente grega[22], no sentido em que a civilização grega é estruturalmente delimitadora, criadora de fronteiras entre as suas próprias cidades com língua e mitologia comum[23]. Ora, a definição ataca a polissemia das palavras importantes, introduz uma fronteira (‘fines’, em latim) em torno de cada uma, restringindo-a a um só sentido, com o qual se possa argumentar, pensar[24], arranca-as do contexto da doxa, das discussões de opiniões interesseiras da língua corrente, aonde o fluir das coisas é acompanhado pelo dos sentidos das palavras. Retiradas do contexto, ao aspecto (eidos, o ‘viso’ das coisas, segundo traduziu Coelho Rosa) que elas ganham é atribuído por Platão um estatuto celeste, imutável, que as almas imortais contemplam quando estão fora do corpo (também a alma de Aristóteles, forma do corpo e já não imortal, separa este do contexto, define-o). É em torno da ‘coisa’ que tudo se passa no que diz respeito à definição (em contraste decisivo com a ideografia chinesa segundo F. Jullien), como testemunha no cap. X da República o exemplo do marceneiro que faz a cama como obreiro, segundo o ‘eidos’ de cama criado pelo Deus, enquanto que o pintor imita a cama do marceneiro (597c-598c). Pode-se sublinhar assim a definição, em vista de comparar com os ideogramas, porque ela não é um ‘tema’ filosófico, daqueles que, com razão me parece, Jullien recusa comparar com os ‘temas’ da sabedoria chinesa (Jullien, 2000, p. 198-9). Mas pode-se e deve-se comparar as escritas, como se tenta aqui em prolegómenos, que a definição é uma operação de escritura e não um tema ou conceito, ela opera sobre as palavras dos discursos e narrativas gregos e europeus para as transferir para um outro tipo de textos, os textos gnosiológicos relativos ao saber intemporal que se caracterizam pela ausência de verbos, de toda a sua rica morfologia polissemizante. Torna assim possível a estabilidade das essências, intemporal, fora da circunstância, do contexto de escrita. É o seu sistema que pode ser comparado com o sistema ideográfico chinês (e não com o que neles se escreve). Comparando com os caracteres chineses, estas Formas ideais deveriam evitar que a língua oral, o nome da coisa, interviesse, tese do Crátilo como se viu, mas como não têm raiz ideográfica à coisa, não podem evitar terem de passar pelo nome para serem escritas (o que permite perceber a tese anti-escrita do Fedro): é neste ponto que o alfabeto é decisivo, já que é na palavra que a ‘coisa’ é definida (cf Parménides 133d-e), sendo todavia esta o que importa, que deve ser definida e classificada, mas só o podendo ser directamente na palavra antes da consideração do conjunto de todas as Formas ideais. O que é obviamente verdade de todos os conceitos que os filósofos vieram a definir.
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17. Um outro ponto a respeito da escrita alfabética, é que basta uma diferença de letra, por gralha ou intenção, para se ter uma palavra completamente diferente, sem nenhuma relação de sentido com a primeira, o que faz parte do que Derrida chamou disseminação, que tanto é ‘chance’ literária e poética - no ritmo e nas rimas, aliterações e outros jogos de palavras - como risco de erro: tudo isto, me parece, se jogando na proximidade como contaminação boa ou má (ao invés da alusão a distância). Enquanto que o facto do carácter ‘desenhar’ a coisa referida e trazê-la assim consigo na sua própria estrutura gráfica parece implicar que no tradicional triângulo do signo - significante, significado e coisa referida - não haja no ideograma lugar para o ‘significado’ (o qual, pelo contrário, é o que justifica a definição, que tende aliás a identificar o significado com o significante), ele coincide com o significante na única articulação linear. É por isso que a escrita ideográfica chinesa serve para várias línguas, incluindo para a japonesa que não é monossilábica: o significado será o ter um referente, ausência pois de polissemia no carácter enquanto tal, segundo parece. Pelo contrário, nas línguas alfabéticas é o ‘significado’ que põe o problema principal na tradução entre duas línguas quaisquer, solúvel apenas aproximada­mente e furtando-se à tradução do gesto da ‘definição’, que terá que ser refeito na língua de chegada. Pode-se pensar que está aqui um escolho imenso em toda a abordagem da escrita chinesa por escritas ocidentais (e vice-versa), deixando totalmente de fora quem não saiba chinês, nem sequer dicionários provavelmente podendo ajudar. Por outro lado, a Forma ideal platónica foi concebida para que a alma conheça a ‘coisa’ (o belo, o bem, o justo, a virtude), este conhecimento, na sua pureza ética, sendo necessário para que a alma (de Sócrates, no Fédon) aceda definitivamente à imortalidade dos deuses, não volte a precisar de gerar-se num corpo corruptível. Se a definição dá a esta concepção um carácter de intelectualidade cognitiva, a predominância da dimensão ética acompanhando um desprezo da corporalidade será duma fecundidade imensa nas espiritualidades do helenismo romano, mormente o neoplatonismo, que por sua vez fecundará o cristianismo, torná-lo-á viável nas elites de Alexandria e Roma.
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Entre matemática e língua
18. Que a mesma escrita sirva para várias línguas estrangeiras entre si, eis o que não pode deixar de chocar-nos, nós que temos experiência de ‘ver’ um texto escrito no nosso alfabeto, em sueco por exemplo, e de não sermos capazes de o ‘ler’. Ora bem, nós também temos uma experiência que nos aproxima da ideografia chinesa: a escrita matemática, que, convencional como a ideografia chinesa, só tem uma articulação, entre palavras e frases, também é usada igualmente de maneira compreensível em textos de línguas estrangeiras entre si; tal como em chinês, também não há nenhuma correlação entre o algarismo desenhado 2 por um lado e por outro as palavras que o designam nas diferentes línguas, ‘dois’, 'duas', ‘deux’, ‘two’, ‘zwei’. O que nos esclarece sobre o que atrás se disse: tal como os chineses, nós lemos os algarismos e sinais da sintaxe matemática sem os ‘dizer’, sem usarmos a voz, não logocentricamente pois (o cálculo dito mental é muito limitado, a matemática, em suas equações, derivações, integrações, etc., é estruturalmente escrita), sem ‘estarmos’ nas contas, as quais se fazem segundo a lógica delas, como prova aliás que as calculadoras electrónicas também o consigam[25]. A única articulação implica a ausência de polissemia, isto é, a exactidão de matemática, bem como o seu carácter exaustivo (ao invés das línguas duplamente articuladas, que não podem nunca contar tudo, são essencialmente elípticas). Qual é a diferença então entre a escrita chinesa e a matemática? São pelo menos duas: uma referente às ‘palavras’ matemáticas, os algarismos, que não reenviam a ‘coisas’, a ‘fenómenos’, mas à sua dimensão quantitativa que permite numerá-las, e em seguida medi-las e calcular, tendo no entanto a mobilidade das palavras nas suas aplicações; a outra, referente às ‘frases’ matemáticas, as equações podem ser transformadas em equações equivalentes, os ‘textos’ que assim se fazem para resolver problemas são no entanto estruturalmente fragmentários: é por isso que quando se trata de regiões da física ou de outras aplicações, as mesmas letras latinas ou gregas servem para coisas diferentes, sem necessidade dos milhares de ideogramas chineses. Estes, por sua vez, guardando algo da exactidão matemática (ausência de polissemia de ordem morfológica, como se cada wen fosse 'definido') têm a mesma ambição que as nossas palavras alfabéticas, a de serem capazes de dizer tudo (elipticamente) do campo das coisas ou fenómenos de que as línguas falam. Fazem pois uma ponte entre a exactidão matemática, a sua certeza, se dizer se pode, e a ambição holística das línguas[26].
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19. Mas a diferença entre as línguas monossilábicas desprovidas de morfologia e as indo-europeias em suas morfologias pujantes também joga na diferença de pensamentos, aquém talvez da consideração da escrita ideográfica, embora esta não vá sem aquelas. Sem dúvida que a gramática chinesa compensa com advérbios e algumas partículas gramaticais a ausência de morfologia[27], mas isso não impede que a escrita seja uma sucessão de wen, de palavras cujo referente é da ordem do fenomenal, do que os Gregos chamavam o “sensível”, a composição de vários wen para multiplicar as possibilidades de designação não parecendo alterar o que parece ser a sua única possibilidade, a imanência. Se Jullien explica que o chinês não pensa por conceitos, por abstracções, haverá que perguntar como é que as línguas ocidentais procedem para os obter: a resposta é da ordem da morfologia, nomeadamente do uso de sufixos sobre raízes nominais ou verbais para formar o que se chama tradicionalmente substantivos abstractos[28]. Sufixos como –dade em qualidade, quantidade, bondade, causalidade, -ência em consciência, experiência, essência, ausência, aparência, -eza em beleza, certeza, -ês em português, burguês, -ismo em idealismo, humanismo, e por aí fora. Igualmente em grego: poiein poietikê, phuô phusis, hairô hairêsis, telos entelecheia, ergon energeia, hodos methodos, megas megethos, on ousia, e por aí fora. Parece a quem, de chinês mais não fez do que ler uma pequena gramática e inspeccionar alguns exemplos de dicionário, que não será possível a monossílabos dizendo fenómenos, tal como as nossas palavras de raízes simples, chegar a abstracções juntando-lhe outros monossílabos equivalentes. Curioso seria saber como é que os Chineses modernos traduzem estas palavras abstractas ocidentais nas suas universidades, menos interessados porventura por especulações que os Ocidentais também estão a deixar cair. Hão-de preferir a língua inglesa, que hoje presta excelentes serviços de língua internacional nas trocas comerciais, tecnologias e turismos, justamente por, apesar da sua origem saxónica, ser uma língua de muito pobre morfologia; mas também é essa característica que parece justificar a tendência empirista e pragmática dos textos anglófonos, a dificuldade dum intelectual inglês que uma vez me confessou não poder pensar sem o recurso aos latinismos da sua língua.
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A diferença de pensamentos: definição e wen
20. Seja então uma hipótese em relação à diferença de pensamentos entre tão diferentes escritas. Para poder chegar à virtude, ao belo, ao justo, ao bom, a definição teve que se fazer em torno da ‘coisa’ e dos seus nomes, definir as suas essências e qualidades; essas definições imutáveis instituíram a estabilidade necessária ao pensamento e, tendo por meta as coisas espirituais, elas implicaram também a alma que as ‘conhece’ como divina e imortal, com ligação provisória ao corpo gerado e corruptível, devendo os filósofos que atingem a virtude, como Sócrates no Fédon (67e), deixarem definitivamente a relação ao corpo, a reincarnação a que as almas imperfeitas são constrangidas para se aperfeiçoarem. Está aí a raiz da separação ocidental entre linguagem e pensamento, este do lado da alma, em correlação com a separação mitológica entre a terra e o céu[29], a raiz também do predomínio do ente e do ser na primazia da definição, que Aristóteles fará proliferar sobre entes terrestres, plantas, animais, humanos e seus usos, corrigindo a separação platónica entre os entes e as Formas ideais estáticas – a ousia na concepção da sua Physica sendo à vez a ‘substância’ do ente singular e a ‘essência’ da sua espécie – para compreender o movimento, mormente dos entes vivos (geração e morte, crescimento e diminuição, alteração e deslocamento): é esta dupla ousia que garante a estabilidade dos movimentos terrestres no pensamento aristotélico. Se a teologia de Tomás de Aquino introduzirá Aristóteles como mestre escola da futura Europa, só o pôde fazer platonizando metafisicamente as suas essências e deixando as questões physicas nas margens, onde o século XVII as irá reformular, aliando a definição teórica à matemática e aos instrumentos de medição laboratorial, abrindo o espaço às futuras máquinas e a todo o tipo de técnicas que fazem furor na China moderna.
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21. Aonde ela não podia ter chegado, já que a sua caminhada é contrária às ocidentais. Paradoxalmente, a sua divergência resulta de cada wen não ter sentido senão pela coisa referida: “na China, a obra escreve-se sempre sobre fundo de ser, na plenitude dum traçado emblemático participando da figuração infinita das coisas, num gesto de relação original à natureza – como ser no mundo” (Jullien)[30]. É deste ‘gesto’ que a “gramatura” chinesa parte, é no sistema destes wen que reside a estabilidade da escrita chinesa, sendo todavia necessário haver algo como um horizonte do sistema que possa garantir a estabilidade do pensamento, dum pensamento em que escritor e leitor (ao lerem o texto de wen sucessivos, de caracteres como “seres no mundo”, como diz Jullien, aludindo implicitamente a Ser e Tempo de Heidegger), são eles também “seres no mundo” nesta actividade de escrita e leitura, isto é não opostos à escrita nem ao mundo ‘exterior’, não atravessados pelo dualismo alma / corpo e alma / mundo como nós fomos feitos no liceu, antes mesmo de chegar à capacidade de pensarmos pela própria cabeça. Ora, para seres no mundo, o tempo é estrutural, não é reduzido como a definição e depois o laboratório fizeram para obterem o texto gnosiológico de essências intemporais e sem circunstância; com efeito, Jullien insiste em que o que os letrados chineses sempre buscam como sabedoria tem em vista compreender o curso das coisas, os seus processos (no tempo) e a sua regulação, para se lhes adequarem segundo uma lógica de imanência.
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22. A questão da estabilidade é posta assim por Jullien (1993, p. 197): “como é que, nada se repetindo nunca de maneira exactamente parecida, estando o real votado a uma inovação constante, possamos no entanto não nos sentirmos desprevenidos pela sua evolução?” O “ponto de partida” é o da “evidência: o céu no alto, a terra em baixo” (idem, p. 208), mas enquanto Gregos e Hebreus vêem esta evidência como uma oposição, os Chineses vêem-na através do que dela provém como alternâncias que se sucedem: após o dia do sol vem a noite sem luz por um lado, e por outro as quatro estações alternam o crescimento do calor, primavera e verão, com a sua diminuição, outono e inverno. Ora, estes fenómenos estritamente temporais, dia/noite e estações, não são fenómenos exclusivamente celestes ou exclusivamente terrestres, bem pelo contrário, não ocorrem sem ambas as instâncias, o céu com iniciativa (yang) e a terra sua receptora (yin), esta polaridade sendo o segredo da regulação dos processos, em que “o mundo morre todos os dias” e “o mundo nasce todos os dias”, cada princípio vem dum fim e cada fim dum princípio. Tal é o horizonte holístico que permanece no texto chinês incessantemente comentado. Enquanto que a definição arranca o definido ao contexto e reduz este, o processo chinês consiste no próprio contexto, na situação que pede compreensão para que o pensador se adeqúe a ela, no horizonte holístico da polaridade celeste / terrestre, sem que nunca apareça uma oposição, uma separação, uma redução, como exemplifica frequentemente Jullien. Nomeadamente o mal, que tanto em Platão como na evolução da Bíblia hebraica[31], é separado e oposto ao Bem para que este seja valorizado como Um e fonte de Verdade, não é aqui senão uma obstrução provisória que será regulada com a continuação do processo, a realidade sendo sempre afirmada como boa.
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23. “O céu cria, a terra transforma, e assim nascem as plantas”, escreveu “o grande naturalista Li Shizhen (1518-93)[32]. “Os Chineses são um povo de agricultores, essencialmente sensíveis à alternância das estações de que fizeram a base da sua concepção do mundo” (Chieng, p. 52-3), formam uma sociedade em que as energias disponíveis provêem dos vivos, plantas, animais e humanos, “um dispositivo que anda por si mesmo” (Jullien, 1993, p. 205). Ao contrário do mundo urbano europeu, voluntarista, inventivo, por vezes revolucionário, os camponeses não ‘forçam’ o crescimento das plantas ou dos rebanhos, mas antecipam-no, plantando e cuidando, acompanham os respectivos processos, atentos aos momentos de intervirem, sabendo que não os controlam, mas, como dizia Heidegger, “há que deixar ser o ente”, aforismo que vale antes de mais para os vivos (mas que também os operários aplicam quando dizem que “o material ou a máquina tem sempre razão”). Ora, os letrados, como os demais humanos, são seres neste mundo que buscam ‘conhecer’ para se adequarem ao seu processo “sponte sua” (idem, pp. 172, 192), Jullien sintetizando assim as diferenças com o conhecimento ocidental. “Se a nossa tradição filosófica pensou o conhecimento numa relação de sujeito a objecto e segundo uma perspectiva teórica (simultaneamente descritiva e desinteressada), a concepção do conhecimento que aparece aqui responde a um projecto bem diferente. Proponho esquematizar assim a diferença: por um lado, este outro tipo de conhecimento não é sobre um objecto (a identificar) mas sobre um curso (a seguir-se), o seu quadro não é o espaço aberto pelo olhar – o da res extensa – mas um decorrer temporal; por outro lado, não tem a sua fonte num sujeito detentor de faculdades (classificadas hierarquicamente pela nossa teoria do conhecimento) mas na aptidão a continuar dum processo (cujo ideal, em consequência, é o de nunca se deixar bloquear ou afundar). [...] Este conhecimento também não procede por abstracção (definindo ‘formas’, Ideias), mas por ‘familiarização’ (adquirida através a experiência íntima dum decorrer); não visa à determinação atemporal duma verdade, com um fim especulativo, mas à apreensão antecipada duma evolução, de maneira a poder estimulá-la. O seu ideal em consequência não é a felicidade (grega) que traz a contemplação dum ser eterno inteligível mas a aptidão a não se deixar desamparar nunca pela transformação – a poder pelo contrário vir continuamente antes dela e favorecer a sua vinda” (idem, p. 199). É fácil ver um camponês não religioso a conhecer assim. Noutros termos, não a revolução, mas a regulação, cujo ideal é a harmonia do consenso e a moral implícita o conformismo (idem, p. 217).
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24. Espectacular é a ilustração desta sabedoria no comentário por Jullien de um aforismo de Confúcio[33]: wu yi – wu bi –wu gu – wu wo, que traduz como “as quatro coisas com que o Mestre tinha cortado: ele era sem ideia, sem necessidade, sem posição, sem eu”, glosando assim: “sem ideia (privilegiada), sem necessidade (predeterminada), sem posição (fixada), sem eu (particular)”. Eis o comentário, que figura um letrado em contraste completo com o nosso ideal greco-cristão, o retrato dum 'oportunismo sem pejorativo': “o Sábio é efectivamente ‘sem ideia’ – não que não as tenha – porque não privilegia nem exclui nenhuma, aborda o mundo sem projectar sobre ele nenhuma visão preconcebida. [...] guarda sempre abertas todas as possibilidades. É por isso que ele não tem ‘il faut’ (‘tem que ser’[34]) que se lhe imponha e viria predeterminar a sua conduta; o Sábio não segue regra ou máxima: ele é ‘sem necessidade’. E como não codifica de avanço a sua conduta, esta não se torna depois rotina. Não se afundando em nenhuma posição particular, ele é ‘sem posição fixada’; não se ligando a nenhum ponto de vista definitivo, está sempre evoluindo de concerto com o curso das situações e dos acontecimentos [numa espécie de oportunismo positivo]. É por isso que finalmente o Mestre é ‘sem eu’. Ele é efectivamente sem eu que o caracterize[35]. Uma vez que não tem ideia privilegiada, não se dá nenhum imperativo a respeitar antes de mais, não se fixa em nenhuma posição definitiva, não há nada por consequência que possa particularizar a sua personalidade. Esta permanece completamente aberta e coincide com o curso do processo inteiramente; o Sábio pode desposar este em toda a sua amplidão, e é isso que faz plenitude da sua personalidade”. É a noção espantosa de “sponte sua”: o Sábio consegue vir a esta abertura ao processo de forma espontânea, numa espécie de ‘virtude’ que é a dum ser no mundo, que deixa ser, segundo o “Wu Wei” de Lao Zi, que não força mas regula, aquilo que se poderia chamar virtude com habilidade.
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25. Jullien dá em seguida dois exemplos de tradução desta citação de Confúcio nas línguas ocidentais: “o Mestre rejeita absolutamente quatro coisas: as ideias no ar, os dogmas, a obstinação, o eu” (Pierre Ryckmans); “há quatro coisas de que o Mestre estava isento: as ideias sem fundamento, as afirmações categóricas, a teimosia e o egocentrismo” (Anne Cheng). Estas traduções de sinólogos, com largos anos de experiência e de cuja competência não se pode duvidar, exibem bem a projecção da filosofia das línguas ocidentais na tradução, como esta é um problema extremamente grave, ainda que os tradutores sejam chineses que aprenderam uma língua europeia. Tanto quanto posso julgar na minha ignorância do chinês, confrontadas com a de Jullien e com a coerência desta com o seu paciente trabalho de longo fôlego, estas traduções mostram como será muito difícil confiar nas traduções que encontrarmos, quando tivermos a melhor das intenções de aceder a um pensamento tão diferente do nosso. Talvez se compreende melhor a dúvida levantada sobre a gramática chinesa (§§ 11-12): quando ela é estudada a partir das gramáticas das línguas indo-europeias, como saber se se está a analisar a frases chinesas, de que dizia Henri Maspero que não tinha ‘partes do discurso’, ou sua tradução?
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A subtileza do pensamento por alusão
26. Se pois a escrita ideográfica impediu o pensamento chinês de largar o plano fenomenológico das coisas ( « A crítica chinesa é essencialmente fenomenológica » (Jullien, 2007, p. 491.)),de instaurar um texto gnosiológico à maneira da escrita alfabética ocidental procedendo por definições, por um lado, e se por outro a relação e-vidente, convencional, de cada wen ao que ele significa, torna o texto corrente muito próximo da trivialidade das coisas, por exemplo das receitas do que há que aprender a fazer, como é que uma tão rica tradição literária e sapiencial pode ter procedido? Um teórico do século XVII, Jin Shengtan, explica que é necessário que o ‘olho’ que vê e a ‘mão’ que escreve não coincidam: “enquanto o nosso olhar se volta para aquele lado, a nossa mão escreve deste lado”, senão, se coincidirem (como nós fazemos normalmente), sucederá que o leitor, “no seu primeiro abordar, tudo se esgota”(2007, p. 470). O que Jullien chama “distância alusiva” como composição literária consiste em não abordar directamente o tema visado (o que o escritor olha) mas de “se afastar o mais possível e, a partir daí, voltar sinuosamente até ao momento de o abordar, e então parar; depois afastar-se novamente o mais possível para tomar outro ponto de partida, e regressar sinuosamente até ao momento de abordar, e parar de novo” (p. 471), continua Shengtan, “o que permite aos outros deitar um olhar para alem do texto para verem por si mesmos”.“Se o texto cola ao que quer dizer, comenta Jullien, o seu leitor não tem nada que buscar e o interesse é suprimido” (p. 470). É assim que é possível manter o tema, uma figura feminina por exemplo, ‘animada’, um personagem “vivo” que as descrições em torno dela, com “palavras vazias”, em vez de “a descrever tal e qual o seu rosto, o seu ornamento, as suas sobrancelhas, os seus cabelos em caracóis sobre as têmporas”, “o que daria uma estátua de gesso” (p. 471).
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27.Tratar-se-á, no plano do pensamento, de evitar a particularidade do que é proposto e abrir a outras possibilidades, ultrapassar a parcialidade dum ponto de vista levantando por exemplo um ponto de vista oposto e caminhar para uma“visão” que dirigirá para a globalidade inatingível, segundo o tao da realidade, “o fundo indiferenciado das coisas” (p. 445), onde são igualmente possíveis todas as oposições de posições, que as expressões concretas, particulares, implicam delas mesmas, em ideografias convencionais (p. 458). Um dos dois clássicos do taoismo, no seu último capítulo: “com proposições vazias e longínquas /palavras vastas ao infinito, / expressões sem fim nem bordo: / ele deixa-se ir consoante o momento sem cair / na parcialidade, / e preserva-se de consideraras coisas dum ponto de vista unilateral” (p. 458). Desfazer fronteiras, dir-se-ia, o ponto de vista oposto ao da definição filosófica que, comparando coisas retiradas do seu contexto, as caracteriza na sua essência comum intemporal. A subtileza e não a clareza, não dizer directamente mas “deixar somente entrever” (p. 509). Definir reduz as circunstâncias, encerra o definido, a alusão reduz “as exclusivas” (p. 447), isto é, reduz a redução e as oposições que ela gera, abre relações próximas e a distância, mantém aberto um “olhar global” (p. 446), sem parcialidades. Jullien multiplica os exemplos, o que não é fácil resumir. Rainier Lanselle, sinólogo que perfilha a sua abordagem, propõe longamente o comentário do mesmo Shengtan duma ópera tradicional sobre a maneira como são tratados os amores dum rapaz candidato a mandarim se apaixona por uma bela órfã dum homem poderoso, portanto fora do seu alcance, e a subtileza da jovem que não pode ser tomada para que possa ser dada, mas também como este drama é também o do intelectual que busca a sabedoria que, igualmente, não pode ser apoderada para que possa vir, dada. É lindíssimo.
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Conclusão
28. Não haveria tempo nem seria eu porventura capaz de apresentar suficientemente bem o panorama deste pensamento chinês que Jullien tem demonstrado ao longo de duas dezenas de livros. Mas não poderei calar o gosto imenso de, ao fim de mais de cinquenta anos de leitor de textos de filosofia e teologia ocidentais, encontrar um vasto sistema de pensamento independente do nosso e tão diferente, profundamente coerente em sua imanência e aplicabilidade pragmática. Pode parecer não ser fácil a um habitante das tradições ocidentais, cheias de rupturas e inovações que conduziram à modernidade que hoje os próprios Chineses reclamam também, ser seduzido pelo carácter conservador desta sabedoria, mas foi por aí que comecei: ela é sem dúvida uma chave da inaudita ‘conservação’ de dois milénios de história agrícola e politica, o sinólogo americano Joseph Needham tendo falado duma “sociedade homeostática”[36], André Chieng duma “economia guiada pela noção de equilíbrio que ilustram as relações entre o yin e o yang” (p. 59). Não deixando de serem inventivos: os principais inventos que, segundo o filósofo inglês do século XVII Francis Bacon estão na base da modernidade que despontava no seu tempo – o papel e a imprensa, a pólvora de explosão e a bússola das navegações – foram invenções de Chineses (o que Bacon não sabia)[37] que não souberam no entanto tirar delas o mesmo proveito que os Europeus[38]. A questão que fica aberta ao futuro é a de saber como é que essas tradições se vão conjugar com a instrumentalidade moderna que está a transformar a China numa aceleração histórica inédita tremenda, contraponto sem dúvida do inédito da sua conservação milenar. O livro de André Chieng, La pratique de la Chine en compagnie de François Jullien, nascido em França de emigrantes chineses cultos que foi educado nas duas culturas e dirige há três décadas uma empresa de aconselhamento de empresários ocidentais em negócios com empresários chineses, conta muitos casos das diferenças de apreciação e de comportamento entre uns e outros que deixa pensar que, assim como a secularização metafísica, se dizer se pode, do Ocidente moderno não impede que os nossos intelectuais, cientistas e técnicos sejam marcados até à medula por essa mesma metafísica que ignoram, o mesmo se passará com os seus émulos chineses, sequiosos de modernidade ocidental mas mais ‘confucianos’ do que imaginam ao quererem-se libertos de dois milénios de tradição. Claro que fiquei com fome, mas foi esta curiosidade que me moveu a ler Jullien. Quando ele contrapõe à nossa “revolução”, a “regulação” asiática, percebe-se que é da falta desta que padecemos nas crises que nos assolam nesta época após o fim das revoluções.


P. S. : Uma ponte europeia para o chinês

1. Tendo Jullien utilizado o motivo heideggeriano do “ser no mundo” para dizer o estatuto filosófico do escritor e do leitor chinês (§ 21), que eles não sejam arrancados do mundo pela sua textualidade de busca da sabedoria como sucede aos filósofos pela força textual da definição, é possível assinalar o pensamento de Heidegger como abrindo uma ponte para o mundo chinês, ele que privilegiou os pensadores de antes da definição socrática e que resumiu as incidências práticas do seu pensamento num aforismo que se diria pró-chinês: “deixai ser o ente!”. Deixai cada coisa, cada ente vivo, jogar-se no seu contexto, aonde foi lançado pelo nascimento e conhecimento ou por fabricação[1]. Com efeito, a sua ruptura com Husserl consistiu em ultrapassar o mais resistente dos dualismos, o do dentro e do fora, ‘ ‘objecto’ da percepção fenomenológica husserliana sendo já um efeito da definição filosófica, das oposições, determinações e reduções consequentes: o Dasein que ek-siste fora, o ser no mundo, é a sua primeira grande descoberta, em 1927 (Ser e Tempo). A última, em 1962 (Tempo e Ser), foi o pensamento do Ereignis (‘acontecimento’ em alemão) que ultrapassa a velha oposição ser / tempo (ousia /acidentes), que veio substituir do Geviert (quadripartido), unidade que liga o Céu e a Terra, divinos e mortais, em vez de os opor. O Ereignis deve ser lido como a doação de qualquer ente vindo à presença, a doação pelo seu contexto de qualquer coisa na sua textura temporal (ser e tempo), doação acontecimental sese pudesse dizer, como uma operação de nascimento seguido dum crescimento a deixar ser em sua autonomia (ou um fabrico). Os seus limites são apenas os que a ligam a outras doações acontecimentais, a Terra – Céu sendo o grande contexto doador de tudo, de qualquer vivo, doações que se escondem, dissimulando a sua pujança para que a autonomia de cada um possa crescer de si mesma, semente(embrião) protegida por ser pequenina. Heidegger aproximou-se assim do pensamento chinês, mas sem perder a relação cada ente, a cada coisa.
2. Derrida é um pós-heideggeriano que deu um passo atrás em direcção de Husserl, o que lh permitiu: tomar a linguagem (e outros usos sociais, acrescentarei eu) como sendo parte do mundo, das suas coisas e gentes, desligar as separações entre textos (os livros não são fechados neles, como também não as consciências),marcar continuidades onde habitualmente se lêem apenas rupturas, entrar na composição complexa das coisas e dos vivos, enquanto que Husserl e Heidegger permaneceram ao nível do ente, da sua percepção, em sintonia aliás com toda a tradição filosófica, com excepção de Aristóteles. Com efeito, a gramatologia derridiana (arqui-escrita, rasto, différance com a, iterabilidade, mais tarde duplo laço) torna possível compreender as ‘démarches’ científicas como uma espécie de textos, com o seu diferencial de retenções e diferimentos. Derrida permite assim penetrar nos paradigmas dos laboratórios das ciências e técnicas europeias, aonde vieram os Chineses de hoje, para compreender a matéria e avida das coisas do mundo; mas permite também sair deles, de surpreender as cenas da chamada realidade onde essas coisas se jogam duma maneira que os cientistas, amarrados aos seus laboratórios[2],têm dificuldade em compreender, já que o que está em jogo nessas cenas está muito mais perto dos processos privilegiados pela sabedoria chinesa do que dos conceitos deterministas das suas definições e experimentações laboratoriais.
3. Por exemplo, um automóvel é construído, peça por peça, segundo as investigações em laboratórios de várias regiões da física e da química – em pleno mundo europeu – mas essa diversidade é unificada teoricamente pela única finalidade do automóvel,participar no processo do tráfego das estradas. Aonde há muito carros, cada um tendo de ter em conta a sua direcção, o seu destino, das curvas a fazer segundo o desenho das estradas, mas ter em conta também a presença dos outros carros.Este tráfego implica portanto que o automóvel seja concebido para avançar em diferentes velocidades ou a recuar em certos casos, para virar à direita ou à esquerda e assinalá-lo aos outros carros, travar ou acelerar, e por aí fora. Nada na construção do carro escapa a esta lei do tráfego, ao seu aleatório estrutural. Aprender a guiar é aprender a manipular as diversas possibilidades do carro e da estrada, a conduzir deixando ser a viatura segundo as suas regras e segundo a circulação das outras ao lado.
4. Com este modelo e tendo em conta a complexidade dos vivos devida à sua reprodução biológica(alimentação e sexualidade), a das sociedades e das línguas humanas, o meu texto Le Jeu des Sciences avec Heidegger et Derrida tentou desenvolver o jogo das grandes cenas evolutivas segundo as ciências europeias –a cosmologia dos astros, a evolução biológica, a história das sociedades humanas e a dos textos gnosiológicos ocidentais – e é de esperar que os investigadores chineses consigam mais facilmente do que os seus congéneres ocidentais compreender a relação entre essas cenas e os laboratórios respectivos, talvez estejam em melhor posição para compreender que a ‘démarche’ a respeito de cada ciência e cena é equivalente à das outras ciências e cenas,apesar das sua grandes diferenças, e portanto perceber melhor as relações entre elas, interdisciplinares, como se diz: em cada uma delas, as regras aprendidas no laboratório (em condições de determinação que excluem outros factores das cenas) jogam em função do aleatório estrutural da cena, um pouco como o automóvel e o tráfego. Caçar presas para se alimentar e evitar por seu lado de ser apanhado por outros mais fortes, eis o que ‘explica’ as anatomias das diversas espécies animais, segundo o aleatório da lei da selva[3],tal como a anatomia dum carro, camião ou mota é explicada pela lei do tráfego.Também as regras linguísticas de cada língua, da fonologia mais subtis, regras essas que são as mesmas para todos os que aprenderam a falar essa língua, são feitas de maneira a que cada um, sem as conhecer explicitamente, possa intervir no aleatório duma conversa, em que se tem que responder improvisando ao que o interlocutor acaba de dizer, mais ou menos surpreendente, mas sempre inesperado. O jogo em cada cena é esta unidade entre a necessidade das regras e o aleatório do campo da sua aplicação: ao nível da cena, isto muda completamente a causalidade que presta tão bons serviços no laboratório. Esperemos que, tendo bem compreendido o que se faz nos laboratórios científicos, os investigadores chineses, fortes em matemática,estejam também mais à vontade do que os europeus para compreender as respectivas cenas, os seus processos e regulações.



[1] Por exemplo, quando operários procurando reparar uma máquina, dizem ‘a máquina tem sempre razão’, estão a aplicar este aforismo heideggeriano.
[2] Sem saberem pôr a questão : porque é que eles têm necessidade de laboratórios ?
[3] Lei dependente do ciclo do carbono (que faz parte de todas as moléculas dos seres vivos) a partir da fotossíntese das plantas : os animais têm que comer outros seres vivos para assegurarem a sua autoreprodução.



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Vandermeersche, Léon, “Le wen et la lettre, sur le pli créé dans la pensée chinoise par l’idéographie divininatoire”, in Marchaisse, Thierry (org.), 2003, pp. 123-138



[1] Grande comentário, atribuído tradicionalmente a Confúcio, devido a confucianos da antiguidade chinesa.
[2] Os Muçulmanos com o seu Corão (alfabético) também foram império, desde Maomé até ao Otomano, do século VII ao XXI, ganhando ao de Roma tudo o que este herdou das civilizações anteriores, falhando-lhe - feliz­mente - o que, na parte ocidental, foi obra de Roma e se tornou Cristandade e Europa. Aqui não os considero, como também não a Índia e os seus textos alfabéticos, menos alheios ao Ocidente do que a China.
[3] Aldo Schiavone compara-o com a Europa, perguntando porque não conseguiu ele o que esta conseguiu.
[4] Mas, além da Bíblia conservada dez séculos em latim, também a ‘alma imortal’ de Platão contribuiu fortemente para o segredo dessa longevidade.
[5] Jones, E. L., O milagre europeu, 2002, Gradiva , e K. Pomeranz, são exemplos de historiadores que questionam a modernidade da revolução industrial em termos estritamente económicos.
[6] Como testemunhariam, se a invenção da linguagem fosse paralela da do pensamento escrito, que os Gregos tenham escrito frases inteiras sem separarem as palavras e que só no Sofista, nos finais da obra de Platão, apareça pela primeira vez a distinção entre nome e verbo, já havendo quase toda a grande filosofia da escola socrática quando o cap. 20 da Poética de Aristóteles propõe uma primeira lista gramatical, que termina com a mesma palavra, logos, para dizer frase e texto.
[7] Belo, 2007, cap. 5. §§ 34-48.
[8] Lévi-Strauss, 1962, p. 25
[9] Esta anterioridade temporal do oral sobre a escrita justificará que a filosofia ocidental tenha dado o primado à primeira, ao logos, à sua voz mais perto da alma pensante, sobre a escrita (Fedro de Platão), ao logocentrismo; o paradoxo da gramatologia de Derrida foi ter invertido as coisas, mostrando que, aprendida de outros, a linguagem oral é ela própria uma inscrição (no cérebro: os grafos de Changeux) que torna possível a fala, o logos, tanto voz quanto discurso.
[10] O chinês comum arcaico, falado alguns séculos antes da nossa era, repartiu-se em grupos importantes falados hoje (“Sino-tibétaines (langues)”, Encyclopædia Universalis, 14, 1055c).
[11] O cap. 20 da Poética define sílaba como “voz não significante [isto é, sem referente] composta de consoante e vogal”, nome e verbo como “voz composta significante de que nenhuma parte [sílaba] é por ela mesma significante”.
[12] Nem mesmo entre frases, apenas um pequena esfera assinalando a diferença entre estas no texto dado em Zhong Yong, La Régulation à usage ordinaire, Imprimerie Nationale éditions, texto introduzido, traduzido e comentado por F. Jullien (1993), pp. 152-94.
[13] Exemplo adiante com as 3 traduções dos lemas de Confúcio (§ 24).
[14] Segundo um dicionário escolar actual de tipo prático, mas que não serve de nada, por assim dizer, quando se procura verificar palavras clássicas citadas por Jullien.
[15] Como também se passa na língua inglesa.
[16] Ver em Belo, 1994, § L 50, uma longa citação do sinólogo Démieville sobre a não existência em chinês de « partes do discurso » (substantivo, adjectivo, verbo, artigo, preposição, etc.) do ponto de vista semântico e morfológico, apenas funcional.
[17] Chine – Littérature, Encyclopædia Universalis, 1974, vol. 4, p. 310.
[18] Compreendida segundo o desenvolvimento desta teoria conhecida como o platonismo.
[19] "É que tu começaste cedo demais, Sócrates, antes de te exerceres, a definir (horizesthai) o belo, o justo, o bom e cada uma das outras formas" (Parménides 135c).
[21] "Duas coisas se podem reconhecer a Sócrates com justiça: a argumentação indutiva e a definição segundo o todo (to horizesthai katholou). Estas duas coisas têm efectivamente relação aos princípios da ciência. Mas Sócrates não atribuía existência separada aos ‘segundo o todo’ e às definições (ta katholou ou chôrista epoiei oude tous horismous). Os seus sucessores, pelo contrario, separaram-nos e proclamaram ideas esses entes, de maneira tal que tiveram que admitir, pelas mesmas razões, que havia ideas daquilo que se enuncia segundo o todo [...]” (Metafísica, XIII, 1078b18-34).
[22] Em contraste com os Romanos, que criaram o direito como texto estável para pensarem as suas questões e o estenderam aos países ocupados, incluindo a própria cidadania romana.
[23] Regras quase endogâmicas de parentesco; só filho/a de pai e mão ateniense é cidadã/o de Atenas, os gregos de outras cidades são ‘metecos’, os de outra língua ‘bárbaros’; as colónias são cópias das metrópoles, com as mesmas exclusões.
[24] “não significar uma coisa única, é não significar nada [...] já que não se pode pensar se não se pensa uma coisa única” (Metafísica, IV, 1006b7-10).
[25] Mas os bilingues só sabem calcular na língua materna de aprendizagem do cálculo. Que os computadores chineses não consigam ‘calcular’ com os caracteres dever-se-á ao facto não só de os não haver ‘sintácticos’ (tipo =, +, x, etc.) mas também de os ‘semânticos’ não serem redutíveis ao sistema binário 0/1.
[26] Jullien parece propor uma ‘filosofia da diferença’, susceptível de ser comparada com a de Heidegger e com a de Derrida, ambos desconstrutores da ‘presença’ como Jullien e a sua presença ausência, o seu longe na proximidade. Se a lógica do ideograma é a mesma da matemática, e por isso quase ‘exacta’ como ela, mas porventura estéril poeticamente, provavelmente ser-lhe-ia impossível ser ‘literária’ a não ser pela economia da alusão a distância que diagnosticou Jullien.
[27] Viviane Alleton
[28] Cândido de Figueiredo
[29] Que, sem oposição entre corpo e alma, é feita também na bíblia hebraica, donde passou à cristã.
[30] Citado por Vandermeersch, p. 124.
[31] É certo que esta, como aliás a cristã, também não ‘define’, e poder-se-ia talvez pretender que haja nelas algo de proeminência da situação, se não houvesse um outro tipo de redução: o deserto da cena da aliança no Deuteronómio (primeiro texto da Bíblia a ter sido escrito, segundo a exegese recente) reduz toda a actividade agrícola e politica para colocar os Israelitas na dependência total do seu Deus.
[32] Vandermeersch, p. 136.
[33] Jullien, 2000, pp. 369-71.
[34] Nosso provérbio : “o ‘tem que ser’ tem muita força”.
[35] Que lhe dê ‘carácter’, no sentido ocidental de alguém que não muda ao sabor das circunstâncias.
[36] Chieng, p. 249.
[37] Chieng, p. 248
[38] Além da falta da definição, o laboratório (que Gregos e Romanos ignoraram, já que os que liam não trabalhavam por suas mãos) implica a aliança teoria / experimentação que só parece ter sido possível no seio da burguesia europeia.

Fernando Belo
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Algumas questões partindo do texto da conferência

1. Escrito um pouco a eito. Não sei se isto vai ao encontro das questões levantadas na conferência,mas faz-me uma certa confusão o que F.Jullien escreve na citação introdutóriado teu texto, sem pôr em dúvida a sua competência e paixão como sinólogo. «[…] o pensamento letrado poderá proporinumeráveis variações a partir destes temas mas não dirá nada de radicalmente novo» (F. Jullien, 1993,187). É que, se por um lado há «variações» e nada se diz de «radicalmente novo»relativamente aos grandes textos dessas tradições, por outro, quanto aos saberes e ciências contemporâneos devertente inicialmente ocidental integrados por seu turno na China contemporâneaa par de uma dimensão milenar que referes e sublinhas no final, esses saberes eciências, não obstante haver paradigmas, sofrem também variaçõesquase diárias com ‘sim’ e ‘não’ consecutivos e alternados relativamente, porexemplo ao favorável ou desfavorável de um produto (café, p.ex.), de um fármaco(muitos), de um princípio cosmológico (houve ou não houve Big bang, avelocidade da luz é ou não ultrapassável (João Magueijo), etc.), etc., etc. Isto podeverificar-se nos inúmeros artigos nas revistas científicas editados às catadupascom todas as variações possíveis e inimagináveis. Perdoe-se-me eventualmentealguma falta de rigor, mas diria que isto tem a ver com todo o processo por quepassaram as ciências principalmente desde o princípio do séc. XX. Creio que nãoserá preciso dar exemplos. Para além da pós-modernidade que traz com ela,incluindo as ciências humanas, a fragmentarização, estilhaçamento de saberes,fim das grandes narrativas e dos sistemas.
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2. Li alguns textos traduzidos dessas tradições etambém outros de autores e comentadores, alguns com fortes leituras da tradiçãofilosófica ocidental. Por exemplo, o extraordinário ensaio em 3 volumes de Daisetz.T.Suzuki (Le Bouddhisme Zen) e El Kôan Zen, por Toshihiko Izutsu (1).Mas também há autores que escrevem e falam inglês. Estou a lembrar-me p.ex. domonge budista vietnamita Tich Nhat Hanh. E o Dalai Lama também fala inglês. Noblogue mencionado na nota «(1)» faço mais referência aos textos budistas, mas tambémrefiro alguns chineses (pela china também passou o budismo), principalmente poesia (p.ex. o mestre Han Shan séc.VII,considerado louco) e também do taoismo. Outros textos de coreanos, tibetanos, etc., também lá se encontram. Nelesparece haver sempre uma serenidade que escapa muitas vezes aos textosocidentais. Para não falar nas práticas e técnicas corporais que atravessam todas estasvertentes e que têm a ver com um certo espírito de disciplina e uma certa marcialidade. Marcialidade aquiquer dizer uma espécie de parada no sentido de um acompanhamento e atenção no estar. Isso implica um jogo de con-tensão / dis-tensão conferindo um sentido de matéria e de corpo - aliado a técnicas respiratórias e movimentos corporais - que se articula com o que se chama espírito oriental, auto-domínio, etc. A auto-defesa como prevenção de ameaças e ataques externos vem depois. PratiqueiKaraté-Do (Shotokan) na minha puberdade e adolescência. Karaté é uma arte marcial, significando em japonês «mãos vazias ou nuas»; «Do» significa «via», «postura», «caminho». Cheguei em pouco mais dedois anos a cinturão castanho 3ºKyu, tendo assistido e frequentado estágios com mestresjaponeses (M.Nakayama, K.Enoeda, T.Oishi, Tomita, M.Kawasoe). Desisti porque em geral nos nossos ginásios (Dojos?) não sentia esse espírito oriental trazido daqueles mestres. Com todo o respeito que tenho pelo desporto, o Karate é uma arte marcial. Isto sem desprestigiar de maneira alguma o meu mestre Artur Aragão que recordo com amizade, pessoa excepcional e óptimo instrutor. Mas o principal é a prática da meditação que compreende isto tudo e até se pode fazer no metropolitano à hora de ponta segundo alguns dizem. No entanto, antes de tudo isto, assisti na zona de Sapadores à fundação de uma escola de artes marciais japonesas com mestres que andavam com as típicas tairocas ou chinelos de madeira com duas traves de vários centímetros de altura transversais à extensão do pé troando nos azulejos. Tratava-se de artes marciais belíssimas e praticamente desconhecidas em Portugal: shorinjikempo, niponkempo, aido (correspondente à arte do samurai) e kendo, aikido. Podíamos assistir e até participar nos dojos enquanto se procedia à instalação dos equipamentos da escola! Um ambiente inesquecível! Com todas estas coisas recebi alguma influência... É compreensível.
Voltando aos textos, o que se pode notar não diriaque são «variações», mas nuances,gradações, gamas. E isso é maravilhoso, pois recebe-se qualquer coisa de novo natransmissão de cada um desses autores (2). Portanto, choca-me um bocado aquelepasso do Jullien, se bem o entendi.

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3. Ainda gostava de acrescentar que creio não ser a China uma espécie de futuro ideal. Muito, muito longe disso. Não sei seconcordas. Não vou dar exemplos das terríveis injustiças políticas e sociais detão evidentes que são. Não vou mais longe: o Tibete. Aliás não émuito difícil ver na China uma grande ambição de hegemonia mundial,nomeadamente económica. Lembro só o caso do grande artista plástico chinês Ai Weiwei,que vive no «Oriente» (China), detido durante 81 dias pela polícia secreta, oque não deixa de ser monstruoso posto que seja certo que os motivos desta prisãose devem essencialmente à sua expressão plástica considerada perigosa peloregime. Ai Weiwei que expôs na TateModern recentemente em Londres (Sunflower Seeds - Sementes de Girassol), e que, ironia das ironias, numa estranha cumplicidade ocidental foieleito pelo «Ocidente» (revista ArtReview) «o artista plástico mais poderoso do Mundo», global, diga-se de passagem. Afinalparece que ganhou alguma coisa com isto. É certo que nunca li François Jullien, portanto é muito provável que algumas observações que aqui são feitas sejam um pouco precipitadas. No entanto ficam estas notas após as primeiras leituras do texto.Não esquecer porém que Confúcio também fala do «caminho», também com contextos éticos e políticos, se assim posso dizer.
Obrigado pelo teu texto que me levou a repensar muitas destas questões. É certo que ele abre para muitas outras. Com o muito interessante levantamento que fazes da questão da linguagem, nomeadamente da escrita chinesa, mais coisas há que pensar. Não sei se me desviei muito.

(1) Sobre alguns destestextos vj. o meu blogue: http://transporizacoes.blogspot.com
(2) Ando a ler um pouco do livro de Judith Gautier - Le Livre de Jade, Paris, ed. J. Tallandier, 1928 - que reúne um conjunto de poesias chinesas traduzidas por ela e pelo seu professor chinês, Ding Dunling, na passagem do séc. XIX para o XX. Entre muitos poetas encontram-se por exemplo, Li-Taï-Pé, Thou-Fou e anónimos. Há também na poesia chinesa essas impressões difíceis de explicar.
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Saudações
Luís de Barreiros Tavares
17/11/2011
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